Como te sentes hoje? Melhor de certeza. Há já três semanas que não te via sorrir tanto. Hoje quero ir para casa com o teu cheiro. Como no Domingo. Cheguei a casa a cheirar a bebé. Tinha o teu cheiro comigo. Sempre que o notava sentia-me feliz. Próxima de ti. Acho que quero sentir aquilo para sempre…
Ao chegar a casa sinto a tua falta. Como em mais nenhum momento do dia. Sinto falta daquela conversa que era já hábito. Do chá que bebíamos ao final da tarde. Das conversas de tudo. De ler o jornal que guardavas para mim em cima da mesa. Da marquise.
Lembro com saudade dos almoços e dos jantares em que juntavas toda a família. Apercebo-me, agora, de que não eram animados. Nem sinonimo de uma família unida. Mas eu gostava deles. Ficava sempre entusiasmada. Pela chanfana ou pelo cozido à portuguesa. Pelos tios. Pelo pão que cozias. Não me ensinaste, ainda, como se faz. Na próxima semana seria o almoço da festa. Vem aí o S. Pedro. Não vai haver almoço. Nem pão caseiro, quente, a sair do forno, com manteiga. Estou ainda magoada por não nos teres convidado no ano passado. Nunca percebi porque o fizeste. Fiquei zangada contigo. Agora só estou triste por teres sido injusta.
Acho que todos os pequeninos têm direito a tudo o que eu já tive. Esses braços cheios de negras. De marcas deixadas pelas picadelas que tens levado. O ventilador. O ferro espetado no joelho. O respirar lento. Custoso. Deixa-me com medo. Mas não podes ser injusta. Foste-o comigo. Chega. Eles precisam que os acompanhes tal como o fizeste comigo. Não o fizeste de uma forma muito presente, mas tenho a certeza que te melhorarás para eles. Não podes ser injusta e não lhes dar isso. Tal como não me deste o almoço no ano passado. Entendes? Tens de recuperar para eles. Não para mim. Já estou crescida. Mas ainda tens 14 anos de companhia para lhes dar.
As tuas Orquídeas estão todas em flor. Grandes e bonitas. Abertas há imenso tempo. Desconfio que estão à tua espera. Temos cuidado do avô o melhor que conseguimos. Mas ninguém como tu o saberá fazer. Acho-o magro. Por azar, se calhar, não gostou do arroz que faço.
Fico enternecida ao ver todos os teus filhotes a cuidarem de ti. Desconfio que nem em bebé foste tão bem tratada. Tão acarinhada. Tão feliz. Eu sei que te deixa feliz. Todos juntos. Por ti. Fico com vontade de chorar. Afasto-me para os ver. Para te ver. Deixo de ser eu a dar-te água pela palhinha. De te meter creme nos lábios desidratados. De te abanar com o leque que a tia comprou nos chineses. Fico enternecida. Feliz. Sei bem que os teus filhotes juntos te enchem de alegria.
Estás a ser amada e tratada como se fosses um bebé. Até cheiras a bebé. Nunca tinhas tido esse cheiro. Ainda dá mais vontade de pegar na tua mão. De sentir a força que tens. De te perguntar como estás. De saber como se comporta a velha chalada do teu quarto. Se te deixam dormir. Se achas que há enfermeiros giros. De te ouvir… É bom ouvir-te. É bom sentir que nos apertas a mão.
É bom beber chá contigo ao fim da tarde. Conversar sobre tudo. Ler o jornal que guardas em cima da mesa para mim. Chegar a casa depois de três horas contigo no hospital e trazer o teu cheiro de bebé. Acho que te amo. Quero muito que fiques boa, avó.