Confidencio, hoje, que é nas minhas viagens de autocarro que me sinto mais livre. É nas minhas viagens de autocarro, de phones postos, que a mente mais me voa. Divaga. Divaga. Divaga. Foge-me, completamente do controlo. Fico, realmente, esmagada pela fraca condição humana. E depois, com a miséria a decorrer-me nos olhos, nas ruas, faço jogos parvos. Faço jogos de antónimos. E lembro-me de coisas parvas. Despropositadas. Macabras…
Ocorreu-me a lembrança das crianças que brincam em cemitérios. Crianças que pulam em cima de gavetões cheios de caixões de alumínio. Caixões de alumínio lacrados. Crianças que pulam por cima de corpos em decomposição. Crianças que brincam em mausoléus. Que fazem deles os seus palácios. Crianças que enterram os pezinhos na areia alaranjada que cobre os novos mortos.
Depois volto ao trânsito. Ao frenesim do pára arranca. Das passadeiras. Dos semáforos. Dos motores. Do fumo dos escapes. Dos cigarros fora das janelas. Das apitadelas. Dos resmungos. Das caras feias. Das gesticulações de impropérios. Dos autocarros. Das crianças que largam a mão das avós e correm para a estrada. Das vozes. Dos telemóveis a tocar. Dos grupos de adolescentes que atravessam a estrada aos apalpões envergando roupas espalhafatosas. E voltam a fugir-me as ideias. Agora para o mar. Para o mergulho. Para o mergulho gelado. Que contrai os músculos. Que relaxa a mente. Que liberta. Que silencia. Que tira e dá vida.
Depois imagino as paradas militares. Vistosas. Ditatoriais. Anárquicas. Certinhas. Dos milhares na assistência. Da assistência amorfa e terrivelmente silenciosa. E imagino qual será o antónimo das paradas militares….e só me ocorrem as festas de Natal das primárias e pré-primárias. Com danças tradicionais. Descordenadas. Com olhares enternecidos. Com gargalhadas. Puxões. Com estrelinhas, flores e corações por todo o lado.
Solto um sem fim de sorrisos. Sozinha. Feita retardada. Rio-me sozinha nos autocarros! Falo com gentileza para todos com quem me cruzo.
E é assim que me surgem a maior parte das ideias. É, também, nas minhas viagens de autocarro que faço a maior parte dos meus rascunhos. No meu iPod.
Penso no Existencial.
No visível.
No inocente.
No invisível.
No insignificante.
Na simplicidade.
No idiota.
No palpitante.
No excitante.
No extasiante.
No complexo.
No fim!